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Fonte de orgulho nacional, INPE luta para sobreviver

Esse texto é uma tradução da reportagem original em inglês, publicada aqui

Cuidadosamente guardadas em um armário, Evlyn Novo mantém uma coleção de placas comemorativas recebidas pelo seu tempo como pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Novo ingressou no instituto em 1975, como uma jovem especialista em sensoriamento remoto trabalhando no primeiro projeto no mundo a usar dados de satélite para monitorar o desmatamento na Amazônia. Ao longo de sua carreira, ela ajudou o INPE a se tornar um dos carros-chefe da ciência brasileira – líder global no monitoramento de florestas tropicais do espaço. A cada cinco anos completos na instituição, Novo ganhou uma placa comemorativa. Ela estava ansiosa para receber a décima, celebrando 50 anos de serviço público.

Mas faltando apenas dois anos para esse marco, Novo,  69 anos, tomou uma decisão dolorosa: sem ter mais fé no futuro da instituição, ela vai se aposentar do INPE até o final deste ano. “Eu não quero ser a última a ficar para apagar as luzes”, ela diz.

O INPE está em declínio, e Novo vê os sinais em todos os lugares. Até alguns anos atrás, era comum as luzes dos escritórios ficarem acesas até tarde da noite no campus principal do instituto em São José dos Campos, interior de São Paulo, onde funcionários e alunos analisavam dados de sensoriamento remoto, construíam satélites e modelavam o clima. Hoje, o INPE sofre para pagar suas contas de luz. Buracos salpicam as ruas do campus e as calçadas estão quebradas por raízes de árvores que crescem sem manejo — sintomas físicos de uma crise institucional muito maior, marcada por grandes cortes orçamentários, uma equipe cada vez mais encolhida e recorrentes ataques ​​do presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores à instituição. “É um ambiente de desânimo total”, descreve Novo.

Outros setores da ciência brasileira também estão retrocedendo. Uma economia vacilante e mudanças nas prioridades políticas levaram a cortes acentuados no financiamento da ciência em várias universidades e instituições federais de pesquisa. Mas a queda do INPE foi particularmente dolorosa de assistir, muitos dizem, por causa de seu prestígio internacional, seu papel na proteção da Amazônia e a maneira como Bolsonaro tenta desacreditar o trabalho do instituto.

Hoje, os programas de monitoramento de desmatamento e incêndios florestais do Brasil estão em perigo. O supercomputador do INPE que roda modelos climáticos está envelhecendo e opera além de sua vida útil. O programa de desenvolvimento de satélites está parado, sem fundos para avançar nas missões e lançamentos planejados. Um dos baluartes históricos da pesquisa no Brasil, o INPE virou um símbolo da luta pela sobrevivência da ciência em um ambiente subfinanciado e politicamente ameaçador.

O diretor do INPE, Clezio De Nardin, reconhece que o instituto passa por problemas. Em entrevista à Science, ele diz que o INPE precisa de pelo menos o dobro de seu orçamento operacional atual de 92 milhões de reais (US $18 milhões) por ano para cumprir suas missões, mas atribui os cortes a problemas econômicos do país, e não à política. “Não acredito que nenhum governante agiria de sã consciência para destruir uma instituição que produz infraestrutura no seu próprio país”, diz De Nardin. “Até porque essa falta de recursos no setor espacial vai trazer consequências para a sociedade por várias décadas.”

Em e-mail à Science, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) apontou alguns sinais positivos: este ano, o financiamento discricionário do INPE subiu 33%, voltando aos níveis de 2019, e aportes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) darão um impulso adicional.

Mas pesquisadores dizem que o escopo do apoio financeiro é incerto e que o financiamento extra não será suficiente para reverter anos de declínio. Muitos funcionários estão desmotivados, diz Gino Genaro, tecnologista sênior da Divisão de Sistemas Espaciais do INPE: “As pessoas estão angustiadas sem saber o que fazer e o que o futuro reserva”.

O INPE FOI FUNDADO  em 1961, quando a corrida espacial estava em pleno vapor e a Guerra Fria em seu auge. Inspirado pela visita do cosmonauta soviético Yuri Gagarin, o então presidente Jânio Quadros abraçou a ideia da Sociedade Interplanetária Brasileira de (SIB) de lançar um instituto espacial nacional. Em seus primeiros anos, o INPE criou e consolidou programas de pesquisa e pós-graduação em meteorologia, astrofísica e sensoriamento remoto. Na década de 1970, tornou-se o primeiro instituto no mundo a monitorar florestas usando dados de satélite, obtidos pelo Programa Landsat dos EUA.

Uma imagem do satélite Amazônia-1 mostra uma ilha de floresta tropical (verde escuro) cercada por pasto na Terra Indígena Parakanã, Pará. O monitoramento do desmatamento pelo INPE ajuda o Brasil a proteger suas florestas tropicais. LGI/DIOTG/INPE

Em 1989, o instituto lançou o Programa de Monitoramento do Desmatamento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite (PRODES), que fornece tendências anuais e históricas de desmatamento para a maior floresta tropical do mundo. Em 2004, o INPE criou o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (DETER), que utiliza imagens de diversos satélites, alguns deles desenvolvidos parcialmente pelo Brasil, para enviar atualizações diárias de incêndios e outras causas de desmatamento para os agentes de fiscalização.

Dados do PRODES e do DETER ajudaram o Brasil a criar e aplicar políticas que foram fundamentais para reduzir o desmatamento anual na Amazônia em 82% entre 2004 e 2014. Ambos os programas são “fundamentais para entender a expansão agrícola no Brasil e as emissões de carbono do desmatamento na Amazônia,” diz Douglas Morton, especialista em sensoriamento remoto do Goddard Space Flight Center da NASA. Morton diz que pesquisadores de todo o mundo valorizam os dados do Inpe, que foram disponibilizados publicamente na internet em 2003 — um passo pioneiro, seguido na sequência pelos Estados Unidos e outros países. Além disso, o instituto é um importante centro de treinamento para cientistas de sensoriamento remoto, acrescenta Morton.

Outro motivo de orgulho do INPE é o Laboratório de Integração e Testes (LIT), famoso pela montagem de satélites. Único do gênero no Hemisfério Sul, o LIT testou e desenvolveu vários satélites nos últimos 35 anos, a maioria em parceria com outros países. O projeto mais bem-sucedido e duradouro foi uma colaboração com a China para o desenvolvimento e construção de seis satélites de imagem chamados CBERS. O primeiro, lançado em 1999, deu ao Brasil suas primeiras imagens próprias de satélite. Dois outros satélites da série CBERS são usados ainda hoje para monitorar incêndios, desmatamento e uso da terra.

“O INPE é certamente uma das instituições de pesquisa mais importantes da América Latina”, diz o cientista da computação Gilberto Câmara, pesquisador de carreira que liderou o instituto de 2006 a 2013. Durante a gestão de Câmara, em 2010, o Brasil investiu US $13 milhões na compra do supercomputador Cray XT6, para uso das equipes do INPE e pesquisadores de outras partes do Brasil. Apelidado de Tupã – em homenagem ao deus indígena sul-americano do trovão – a máquina estava entre os 30 computadores mais poderosos do mundo na época e foi saudada como um marco para a ciência brasileira.

Mas a série de sucessos não duraria muito.

A situação do INPE começou  a deteriorar há cerca de uma década, durante o primeiro mandato da presidente de esquerda Dilma Rousseff. O apoio federal à ciência, inclusive ao INPE, foi fortemente impactado pelas crise econômica e política do período. A turbulência culminou no impeachment e remoção de Dilma Rousseff da presidência, em 2016, e na eleição de Bolsonaro, em 2018.

Instituto em queda livre
Considerado uma das mais importantes instituições de pesquisa do Brasil, na última década, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) tem sofrido grandes perdas em seu orçamento geral (em cima) e no financiamento para seus renomados programas de monitoramento de desmatamento da Amazonia (em baixo). Seu número de funcionários também diminuiu quase um quarto (meio).
(GRAPHIC) K. FRANKLIN/SCIENCE; (DATA, TOP TO BOTTOM) INTEGRATED PLANNING AND BUDGETING SYSTEM; SINDCT/SIAPE; INTEGRATED PLANNING AND BUDGETING SYSTEM

O declínio do instituto acelerou ainda mais após a posse de Bolsonaro, apesar de sua campanha eleitoral ter prometido priorizar a ciência. O orçamento geral do MCTI foi reduzido em 35% nos primeiros três anos do novo governo, chegando a  8,3 bilhões de reais (US $1,7 bilhão). Apesar de uma recuperação parcial este ano, depois que o Congresso proibiu o governo de contingenciar recursos do FNDCT, o orçamento geral do MCTI para 2022 ainda é 34% menor do que há cinco anos, sem contar a inflação.

O orçamento anual do INPE, por sua vez, caiu 63% em relação a 2010, para uma mínimo recorde de 76 milhões de reais (US $15 milhões) em 2021. Mesmo após o recente aumento, o orçamento ainda está “obviamente aquém das necessidades”, disse De Nardin à Science.

As consequências foram sentidas em todos os cantos do instituto. O orçamento dedicado aos dois programas de monitoramento da Amazônia encolheu 70% na última década, para 2,7 milhões de reais (US $540.000) no ano passado – cerca de 0,1% do que a cidade de Nova York gasta por ano em seu Departamento de Parques e Recreação. “Não tem mais onde cortar. Se cortar mais vamos ter que parar alguma coisa e diminuir as atividades; talvez reduzir a área que monitoramos”, diz o tecnólogo sênior do INPE, Cláudio Almeida, coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia e Demais Biomas.

Monitorar outros biomas do Brasil também tem sido um desafio. Um programa que rastreia o desmatamento e as queimadas no Cerrado – bioma que ocupa 2 milhões de quilômetros quadrados  no centro do país e na fronteira com a floresta amazônica – esteve ameaçado de parar no ano passado. O Cerrado é uma das savanas com maior biodiversidade do mundo, mas está sob forte pressão: mais da metade já foi desmatada para dar lugar a plantações e gado. Para evitar o encerramento do programa, que não tinha fundos previstos no orçamento oficial, a equipe de Almeida precisou fazer uma  manobra de última hora, tranferindo dinheiro de outro projeto. Agora, para manter o programa pelos próximos três anos, eles contam com um aporte de 15 milhões de reais (US $3 milhões) do FNDCT, recebido no fim de abril.

A crise de financiamento é “muito preocupante”, diz Julia Shimbo, ecologista da organização não-governamental Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM). Os dados do INPE não servem apenas para guiar políticas públicas de desmatamento, ela observa, mas são referência para acordos internacionais sobre emissões de gases de efeito estufa com os quais o Brasil se comprometeu.

A falta de recursos também cria outros problemas. Após 12 anos de funcionamento, o Tupã está nas últimas. Quebras de peças e circuitos queimados do supercomputador não são incomuns e o instituto mal consegue pagar a eletricidade para mantê-lo operacional. “Essa obsolescência afeta as pesquisas climáticas do país, as previsões do tempo e a própria missão do INPE”, diz o físico especializado em meio ambiente Paulo Artaxo, da Universidade de São Paulo. Artaxo é um dos muitos cientistas externos que deixaram de usar o Tupã.

Não há dinheiro para uma substituição. Como solução improvisada, o INPE comprou em 2018 uma segunda máquina, menor e menos potente, que assumiu a previsão do tempo e outros processos operacionais do dia a dia, enquanto o antigo supercomputador é usado principalmente para pesquisas. No ano passado, com recursos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o instituto comprou também um cluster adicional de processadores. Mas se o supercomputador parar, o programa de modelagem climática do Brasil pode ficar seriamente comprometido. O instituto apresentou à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) um projeto de 200 milhões de reais (US $40 milhões) para renovar toda a sua infraestrutura de supercomputação. Porém, mesmo que o projeto seja aprovado, levará pelo menos um ano até que o maquinário comprado esteja pronto para funcionar.

O LIT, onde são desenvolvidos satélites, também sofreu bastante. Seu último grande projeto foi o Amazônia-1, o primeiro satélite de observação da Terra inteiramente desenvolvido no Brasil, lançado da Índia em fevereiro de 2021. O equipamento adicionou um olho extra no céu para vigiar a Amazônia, aumentando a frequência com que as imagens da região são geradas e proporcionando alertas mais rápidos de desmatamento.

Cortes de financiamento colocam em risco o papel de liderança do INPE na previsão do tempo e na modelagem climática no Brasil. ©LUCAS LACAZ RUIZ/LATINPHOTO.ORG

O lançamento do Amazônia-1 foi motivo de comemoração, mas o sucesso mascarou muitos problemas. A falta de recursos foi um dos motivos que atrasaram a missão em três anos. A maioria dos pesquisadores que trabalhavam no projeto teve suas bolsas de pesquisa suspensas logo antes do lançamento; as bolsas tiveram de ser temporariamente restabelecidas para possibilitar a missão. Atualmente, ainda faltam fundos para desenvolver outros dois satélites da mesma série, há muito tempo planejados. “A descontinuidade deste projeto é um tiro no coração do programa espacial brasileiro”, diz o ex-diretor do INPE Ricardo Galvão. Um país continental com grandes áreas de vegetação nativa e plantações, o Brasil precisa de toda uma constelação de novos satélites para atender suas demandas de sensoriamento remoto, diz o pesquisador.

Para economizar nos gastos, especialmente com a conta de luz, o INPE também reduziu a operação do LIT, revezando o funcionamento de suas salas limpas de tempos em tempos.  O salão onde satélites eram montados e testados com frequência agora abriga apenas o esqueleto de um satélite, construído com peças sobressalentes do Amazônia-1, “para mostrar aos políticos e jornalistas em visita”, disse um funcionário à Science. O LIT também testa produtos para a indústria – como carros, telefones e até banheiras. Hoje, esses testes são o grosso do que o laboratório faz.

De Nardin diz que o instituto está buscando fundos para desenvolver os novos satélites da série Amazônia. Mas enquanto isso, Genaro, que trabalha na Divisão de Sistemas Espaciais do instituto há 20 anos, diz: “Tudo o que temos são ideias soltas no papel, sem nenhum orçamento ou equipe para executá-las”.

DINHEIRO NÃO É O ÚNICO  recurso em falta. Há também uma escassez de cérebros, especialmente cérebros jovens. O INPE tem visto uma redução impressionante de pessoal nas últimas duas décadas, com pesquisadores se aposentando sem ninguém para substituí-los. A última vez que o instituto teve permissão para contratar funcionários via concurso público foi em 2012. O governo federal está relutante em permitir novas contratações, em parte porque o generoso sistema previdenciário do Brasil se tornou um enorme fardo financeiro. Outros institutos federais de pesquisa e universidades enfrentam o mesmo problema.

Como resultado, o número de funcionários em tempo integral no INPE caiu de cerca de 2.000 em 1990 para 753 atualmente. (Desses, 146 são pesquisadores, 460 trabalham em cargos técnicos e o restante em cargos de gestão e administração.) Como a maioria dos outros grupos no INPE, a equipe de monitoramento da Amazônia liderada por Almeida conta principalmente com pesquisadores temporários, pagos com bolsas externas, que não costumam ficar por muito tempo por causa dos baixos valores e incertezas de pagamento e da instabilidade de viver sem um contrato de trabalho.

“Antigamente, era super difícil arrumar espaço para montar uma mesa no INPE”, lembra Almeida. Hoje, “qualquer bolsista tem seu próprio escritório”, ele observa. E o problema não é apenas a falta de pessoal: “o instituto está envelhecendo”, ele diz.

Jovens cientistas veem pouco futuro na instituição. O ecólogo Thiago Silva fez sua pesquisa de pós-doutorado no INPE entre 2010 e 2013, usando dados de satélite para estudar a dinâmica de áreas alagáveis na Amazônia. Orientado por Novo, ele foi um dos dois candidatos selecionados para contração no concurso público de 2012. Mas ele recusou a oferta, temendo ficar isolado e sem dinheiro – ou mesmo sem colegas – para continuar seu trabalho no longo prazo. Silva se mudou para a Escócia em 2019, para trabalhar como professor da Universidade de Stirling. “Acabamos tendo que sair do Brasil para manter nossas pesquisas quando seria muito mais benéfico continuar no país”, ele diz.

Os últimos quatro alunos de pós-graduação de Novo também deixaram o país. A maioria de suas linhas de pesquisa foi descontinuada. “É muito estressante”, diz Novo. “Você passa anos montando um laboratório, comprando equipamentos e formando recursos humanos. E tudo isso pode desaparecer da noite para o dia porque os responsáveis ​​pelas políticas não têm visão de longo prazo.”

O governo diz que o INPE não pode reclamar. Marcos Pontes, que deixou o cargo de ministro da ciência, tecnologia e inovação do Brasil em abril para concorrer a uma cadeira de deputado federal, disse a uma rádio local em fevereiro que o instituto é a “unidade mais privilegiada em termos de orçamento” do ministério. Pontes, que ganhou fama como o primeiro e único astronauta do país – ele passou 9 dias na Estação Espacial Internacional em 2006 – disse que todos os institutos apoiados pelo MCTI sofreram restrições e ninguém pode acusá-lo de “fazer cortes deliberados” no INPE. De Nardin concorda que o governo não está fazendo cortes específicos no INPE.

Mas muitos críticos enxergam a situação de maneira diferente. Eles dizem que o governo de Bolsonaro ataca intencionalmente o INPE, porque o presidente se incomoda com a liderança e a transparência do instituto no monitoramento do desmatamento e de outros crimes ambientais; que os críticos dizem ser encorajados pelas políticas “pró-desenvolvimento” do governo. Desde que Bolsonaro assumiu o poder em 2019, o desmatamento e as queimadas na Amazônia atingiram seus níveis mais altos em mais de uma década. “O INPE está pagando o preço do desmonte do setor ambiental no Brasil”, diz a bióloga Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente entre 2010 e 2016. Para ela, a crise do INPE reflete o “desprezo ideológico do governo Bolsonaro pelo meio ambiente e pela ciência.”

O presidente nunca escondeu sua insatisfação com o INPE. “Isso que acontece com muitas divulgações do Inpe, (…) é uma cópia de anos anteriores”, disse ele em 2019. À época, Bolsonaro acusou o INPE de mentir sobre o aumento na destruição da floresta e demitiu Galvão – um físico renomado – do cargo de diretor da instituição por confrontá-lo em público sobre essa afirmação. (Galvão foi substituído por Darcton Damião, coronel aposentado da Força Aérea com mestrado em sensoriamento remoto pelo INPE, que foi sucedido por De Nardin em outubro de 2020.)

Muitos funcionários e pesquisadores do INPE que conversaram com a Science acreditam que o instituto é vítima de perseguição política, mas têm receio de dizer isso abertamente. “Você percebe que tem um grito preso na garganta das pessoas porque elas não têm coragem de expressar suas ideias, temendo represálias”, diz Novo.

“Pouco a pouco, eles estão fazendo o INPE desaparecer”, diz Thelma Krug, que trabalhou no instituto por 37 anos, ajudou a criar os programas de monitoramento da Amazônia e teve papel de destaque como analista de dados ambientais. Krug, uma entre três vice-presidentes do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, se aposentou em 2019. “Saí porque não podia concordar em não falar sobre o que estava acontecendo no INPE”, diz ela.

SE O INPE PORVENTURA PARAR  de monitorar o desmatamento e as queimadas, empresas e instituições não-governamentais sediadas no Brasil e em outros países têm condições de preencher a lacuna. Mas o enfraquecimento da agência é também um enfraquecimento da soberania do Brasil, diz Câmara: “É fundamental que o Estado tenha competência para produzir seus próprios dados”. Muitos cientistas dizem que o INPE só poderá se recuperar se Bolsonaro for derrotado na eleição presidencial de outubro e um novo governo assumir. A campanha ainda não começou oficialmente, e o principal oponente de Bolsonaro nas pesquisas, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, não anunciou planos específicos para a ciência, embora já tenha expressado a intenção de priorizar investimentos em ciência e educação. O desmatamento da Amazônia caiu drasticamente e o INPE aumentou seu protagonismo INPE viveu o que é considerado por muitos seus melhores momentos durante a presidência de Lula, entre 2003 e 2010.

Novo é menos otimista. “Mesmo que haja uma mudança de governo, levará muito tempo para o INPE se recuperar”, diz ela. Novo poderia ter se aposentado há 18 anos, mas ficou além da conta porque ama seu trabalho. Agora, ela está apenas esperando que seus últimos alunos terminem suas teses para se aposentar. “Tenho vontade de chorar quando penso no destino do INPE”, diz ela, com a voz embargada.

Source: Science Mag